Por Celso de Castro Costa
Deus ama toda a humanidade,
deseja ter comunhão pessoal com todos os homens e não faz acepção de pessoas.
Contudo, textos como Êxodo 7:3 e 4:21-23 poderiam levar alguém a dizer: “Como
pode Deus amar todos os homens, se ele endureceu o coração de Faraó para que
não libertasse o povo de Israel e depois acusou-o por não ter deixado o povo
sair do Egito? Essa atitude de Deus não é incoerente? Não é uma injustiça
divina? Por que Deus faz distinção entre ‘meu primogênito’, referindo-se a
Israel, e ‘teu primogênito’ referindo-se ao filho de Faraó? Isso não é acepção
de pessoas? Porque Deus disse que mataria o filho de Faraó por não libertar
Israel, se quem o induziu a não libertar o povo foi o próprio Deus?”
Ainda dentro da linha de
pensamento dessa argumentação, podem vir outros questionamentos: “Quem consegue
resistir a Deus ou confrontá-lo? Se Deus sabe que é imbatível, por que razão
endureceria o coração de Faraó? Ele faria isso para demonstrar seu próprio
poder? Se essa era a intenção de Deus, isso não seria a marca do exibicionismo
divino versus a impotência de quem possa resistir-lhe?” etc. De fato, à luz de
da simples leitura dos textos de Êxodo mencionados acima, essas argumentações
parecem ser bem razoáveis. Porém, sabemos muito bem, pelo caráter de Deus
expresso pela própria Bíblia, que as idéias que norteiam os argumentos acima
não se aplicam a Ele. Então, como entendermos as afirmações divinas nos textos
citados?
Vamos iniciar fazendo uma
diferenciação entre “Faraó-homem”, “Faraó-rei” e “Faraó-deus”. O primeiro é o
ser humano natural, não regenerado pelo poder de Deus, que não compreende as
coisas do Espírito de Deus, que é governado por seus impulsos naturais (1Co
2:14). Ainda que não saiba, esse home natural esta sob o domínio de Satanás. O
segundo, “Faraó-rei”, era o administrador do Egito, o homem responsável pelo
sucesso e prosperidade do reino sob sua responsabilidade. Ainda que estivesse
firme em seu trono, alheio a opinião pública e não sofresse risco de ser destituído
do cargo, como administrador, ele certamente não queria o surgimento de
qualquer situação que comprometesse seu povo. O terceiro, “Faraó-deus”, era
aquele homem considerado como um ser divino, de acordo com a mitologia do
Egito. Portanto, um representante da potestade satânica que governava o Egito.
A partir do entendimento destas
três funções de Faraó e de um estudo minucioso do texto sagrado, poderemos
entender os textos citados e outros paralelos a eles. Então, facilmente
concluiremos o óbvio: Deus não faz acepção de pessoas e Israel, apesar de ter sido escolhido por Ele, não era o único povo amado pelo Deus Eterno. É fato
que a Bíblia que a Bíblia Sagrada registra, inúmeras vezes, a expressão “endurecerei
o coração de Faraó” e outras análogas proferidas por Deus, como em Êxodo 9:12,
10:1, 20,27 etc. Entretanto, observamos no contexto que essa expressão sempre
aparece acompanhada por expressões do tipo: “...saberão que eu sou o Senhor...”
(Êx 7:5; 7:17; 8:22; 9:14; 9:16; 10:2 etc). É interessante notarmos que as
expressões repetidas, quase à exaustão, são dirigidas a nação egípcia, ao povo
de Israel e a todos os povos da Terra.
Diante dessas observações, fica
claro que a visão salvadora de Deus alcança toda a humanidade, não se restringe
a Israel. Mas, o que significa exatamente a expressão “endurecerei o coração de
Faraó”? Que significado estava por detrás dela? A leitura, atenta, do texto e
contexto onde a expressão se encontra deixa claro que:
1) O
Senhor Deus apresenta-se como o Deus Todo-Poderoso, e como o único Deus em toda
a terra;
2) Os
egípcios deveriam reconhecê-Lo como o Deus Todo-Poderoso. Diante das pragas,
isso em parte ocorreu. Cito aqui algumas referências:
a) Os
magos, líderes religiosos egípcios (na verdade eram feiticeiros), reconheceram
isto (Êx 8:19);
b) A
população egípcia, em geral, reconheceu esse fato (Êx 9:20; 10:7);
c) Os
estrangeiros que habitavam no Egito reconheceram. Alguns até acompanharam os
Judeus em seu êxodo (Êx 12:38); e
d) O
próprio Faraó-homem chegou a reconhecer isso (Êx 8:8, 25; 9:27,28; 10:16,17).
3) O
Deus dos israelitas é Todo-Poderoso e quer fazer-se conhecido em toda terra;
4) As
oposições satânicas e mitológicas do Egito não poderiam suplantar o Soberano Deus.
Na verdade, ferir o Nilo, enviar as pragas e culminar com a morte dos
primogênitos era a mão do Deus Eterno sobre os deuses do Egito (Êx 12:12; Nm
33:4);
5) Os
fatos que estavam se desenrolando no Egito, os que a eles se seguiram e a
manifestação do poder do Deus Eterno naqueles episódios serviriam para fazê-Lo
conhecido entre todas as nações. Quarenta anos depois, isso ainda era falado
entre as nações (Js 2:9-11);
6) Aquela
geração de judeus retirantes, que era testemunha ocular daqueles
acontecimentos, deveria reconhecer o poder de Deus, honrá-Lo e contar Seus
feitos a seus descendentes (Êx 10:1,2).
“Por que razão o
Senhor Deus endureceria o coração de Faraó?”
Agora, vejamos a atitude pessoal
de Faraó em relação a Deus. Se é fato inconteste de que o texto sagrado
registra que Deus endureceria o coração de Faraó, também é inquestionável o
registro de que Faraó endureceu-se, ou seja, Faraó estava predisposto a
endurecer seu coração para não reconhecer a soberania do Deus de Israel. Inúmeros
textos bíblicos respaldam essa afirmação. Por exemplo, o texto: “Mas Faraó
disse: “ Quem é o SENHOR, cuja voz eu
ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o SENHOR, nem tampouco deixarei ir
Israel” (Êx 5:2); e outros como: (Êx 7:14,22; 8:15,19; 9:35 etc).
Importante notar que o contexto
que acompanha o endurecimento do coração de Faraó sempre registra a expressão “como
o Senhor tinha dito”. Analisando detidamente essa expressão em seu contexto,
ficam transparentes as idéias:
1) Revelação
da presciência divina, isto é, o conhecimento antecipado que Deus tem dos fatos
futuros;
2) Deus
sabia que o coração de Faraó era obstinado, teimoso, duro, inflexível, Isso
porque ele, como “Faraó-rei”, considerava-se o “todo-poderoso” do mundo, visto
que o Egito era a maior potência mundial; e ainda, porque ele, como “Faraó-deus”,
considerava-se uma divindade e por isso não reconhecia o Deus Eterno a ponto,
debochadamente, perguntar quem era o Senhor;
3) A
oportunidade que Deus dava a “Faraó-rei” para libertar o povo de Israel do
cativeiro era, ao mesmo tempo, a oportunidade em que ele (Faraó) revelava sua
obstinação interior como “Faraó-deus”. Então, facilmente podemos entender a
expressão divina “endurecerei o coração de Faraó”. Era Deus dizendo: “Conheço o
coração de Faraó e darei a ele a oportunidade de endurecer-se contra mim ao
revelar publicamente seu coração obstinado”;
4) Deus
valeu-se da própria obstinação de Faraó no desempenho de suas funções de “Faraó-rei”
e “Faraó-deus”, para alcançar os objetivos que enumerei anteriormente nos
pontos 1 a 6. Note que nos pontos ali listados ressalta-se sempre a visão
divina em relação a humanidade;
5) Por
trás das expressões “meu primogênito” e “teu primogênito” do texto de Êxodo
4:21-23 fica claro que o entendimento de que se tratava de descendências no
campo espiritual. “Meu primogênito” referia-se a Israel, como representante da
filiação divina do Deus Todo-Poderoso e de onde viria o Salvador de toda
humanidade, enquanto “teu primogênito” referia-se ao filho de “Faraó-homem”
como representante da filiação satânica de “Faraó-deus”.
Diante do que a Bíblia claramente
nos revela, fica firmemente provado que Deus nunca fez ou faz acepção de povos
ou de pessoas. Mas ainda, que Sua visão salvadora alcança toda a humanidade.
Portanto, do que textualmente analisamos, podemos inferir duas grandes conclusões:
1) Aquele
episódio que estava em curso no Egito tratava-se de um embate titânico entre
duas forças antagônicas, a saber: a descendência divina e a descendência
satânica. Deus manifestou-se em favor da primeira.
2) O
que estava por trás da expressão “endurecerei o coração de Faraó” não era um
exibicionismo divino. Ao contrário, era a manifestação do amor do Todo-Poderoso
para fazer-se conhecido na História e alcançar todas as nações da terra. Era a
onipotência do Deus Eterno diante da impotência dos deuses egípcios.
Fonte: Jornal - O mensageiro da paz (CPAD)
Celso de Castro Costa é pastor, líder da Igreja Evangélica Assembléia
de Deus em Dr. Augusto de Vasconcelos (ADAV), Campo Grande, Rio de Janeiro
(RJ).
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